Ao abrir o livro, o Sumário nos convida a decifrar o fascínio que uma cama exerce sob aqueles que a possuem: a cama na lembrança, a cama na foto antiga, a cama no morro, a cama no antiquário, a cama na espera. Na medida em que o leitor vai conhecendo os personagens, a cama -personagem principal desta drama - parece acordar velhas lembranças que não estão no livro, mas que estão sob a poeira do inconsciente de cada um de nós.
De repente eu me vi lembrando de uma cama que também fora considerada um bem da família. Antes de meu pai partir desta para uma melhor, deixou claro para o resto dos filhos que depois de sua morte a sua cama teria uma dona: eu.Confesso que fiquei com a cama apenas por alguns meses. Senti que eu era a única a dormir naquela cama. Juntando energia de tantos falecidos, ficou difícil conseguir descansar. Também, a cama estava na família há tantos anos que já parecia parente próximo.
Na verdade, a cama me fazia muito mal. Eu tinha insônia, dor de cabeça, comichão, crise nervosa. Coisa esquisita. Minha mãe resolveu não só tirar a cama do meu quarto como tocar fogo. Lá se foi o bem secular. Engraçado que com a cama foi se a dor de cabeça, a insônia e comichão.
Todos queriam dormir na cama da Lygia. Contudo, só conseguiram ficar com a cama por um tempo. Até constatarem que ela tinha personalidade, energia, um não sei o quê de liberdade. Ela precisava de liberdade para poder repousar a sua secularidade, a sua imponência onde bem quisesse. Talvez a cama de meu pai também se comportasse assim. Não queria ser escolhida, mas queria escolher quem pudesse descansar em seus braços.
Gostei muito desta obra. Gostei da delicadeza com que Lygia criou o universo e a identidade de seus personagens. Estes personagens também buscavam a sua individualidade, a mesma liberdade, o mesmo respeito já conquistado pela protagonista desta trama, a cama.
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